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Resistência Antimicrobiana Nova Ameaça Global

Publicado em 15 de maio de 2021

Autoria: Dr.Claudio Penido Campos Jr.

Médico Assistente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP/Ribeirão Preto

A resistência antimicrobiana corresponde hoje a uma das dez maiores ameaças à saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e pode ser causa de aproximadamente 10.000.000 de mortes ao ano até 2050.1,2 Nos Estados Unidos da América (EUA), cerca de 2,5 milhões de pessoas ao ano são infectadas por bactérias multirresistentes, sendo que aproximadamente 35.000 delas morrem com esta condição.3 Segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), países de média e baixa renda da América Latina enfrentam problemas graves de resistência antimicrobiana, inclusive com taxas mais elevadas de resistência em comparação a países desenvolvidos.3 No Brasil, encontramos taxas de resistência antimicrobiana extremamente elevadas entre bactérias Gram negativas, especialmente Klebsiella, Acinetobacter e Pseudomonas aeruginosa isoladas em serviços de saúde, sendo cada vez mais comum a caracterização de pan-resistência entre estes microrganismos.4

A prescrição de antimicrobianos na medicina humana é uma das causas-raiz do problema; entretanto, o uso de antimicrobianos na produção animal e na agricultura suplanta a quantidade de antibióticos utilizada em seres humanos. Já há cerca de uma década atrás, o consumo anual de antimicrobianos na produção animal girava em torno de 63.151 toneladas ao ano. Aproximadamente 70% dessa quantidade é excretada no solo sob forma inalterada e pode, por sua vez, contaminar pastos e plantações.5 Diante deste ciclo danoso e da necessidade de abordagem ampla e multi-setorial, a OMS desenvolveu a estratégia ‘’One Health’’ de combate à resistência antimicrobiana, coordenando ações na pecuária, agricultura e medicina humana.6 O Brasil é signatário desta campanha e assumiu compromissos relacionados ao projeto até o ano de 2022.7

Apesar de envolver fungos, vírus e parasitas, a seleção de bactérias resistentes a múltiplas classes de antibióticos é considerada o problema mais relevante e mais relacionado às práticas de prescrição de antibióticos por médicos e odontólogos. A OMS estima que cerca de 50% das prescrições de antibióticos oriundas de hospitais possuem algum erro, das mais variadas naturezas. A prescrição de antibióticos para síndromes clínicas não infecciosas, mas que podem ser confundidas como processos infecciosos, é uma realidade e doenças como insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica e uremia são frequentemente tratadas com antibioticoterapia. Tratamentos com antibióticos de amplo espectro para síndromes infecciosas de etiologia bem definida como celulites, pneumonias comunitárias e infecções do trato urinário exercem pressão seletiva para o desenvolvimento de bactérias resistentes. Finalmente, a prescrição desnecessária ou abusiva de antibióticos aumenta o risco de eventos adversos, o tempo de internação e o custo da assistência à saúde prestada ao paciente.8

O impacto da seleção de bactérias resistentes é mais sensível entre os bacilos Gram negativos, que se caracterizam hoje como um dos maiores desafios terapêuticos na prática assistencial de hospitais de alta complexidade. Isolados de Klebsiella spp. e de Acinetobacter baummanni podem se mostrar resistentes a todas as classes de antibióticos conhecidas, levando as equipes médicas a utilizarem antibióticos inativos ou com efeito terapêutico muito limitado em infecções graves, contribuindo para aumentar as taxas de morbimortalidade já elevadas neste cenário.9 O advento da Covid-19, especialmente em relação aos pacientes que desenvolvem quadros mais graves ou a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), agravou a problemática da resistência antibiótica em hospitais que atendem estes pacientes, uma vez que uma parcela considerável destes pacientes desenvolvem infecções bacterianas secundárias ou apresentam quadros de difícil distinção entre a própria infecção viral e uma complicação bacteriana. Esta apresentação clínica favorece o uso maciço de antibióticos e a seleção de bactérias multi-resistentes.10

Até a década passada, mesmo com a emergência de bactérias multidroga-resistentes, foram poucas as novas opções de antibióticos disponibilizados para tratamento destes microrganismos. Entretanto, a partir de 2014, alguns novos antibióticos com espectro de ação ampliado para o tratamento de Gram negativos produtores de betalactamases foram incorporados no arsenal terapêutico. Ceftazidima+Avibactam e Ceftalozone+Tazobactam foram disponibilizados para uso no Brasil nos últimos dois anos e o Imipenem+Relebactam deve ser aprovado para uso clínico no país ainda este ano. A Tedizolida, uma nova oxazolidinona altamente potente para infecções de pele e partes moles causadas por S. aureus foi liberada para uso no Brasil em 2019.

Programas de uso racional e gerenciamento de antimicrobianos (antimicrobial stewardship programs) já fazem parte dos protocolos institucionais de muitos hospitais do país, entretanto, ainda carecem de implementação mais ampla e organizada, contemplando ações de consultoria e de auditoria. A formação e atuação de equipes especializadas no manejo de antimicrobianos, normalmente compostas por médicos infectologistas e farmacêuticos clínicos, permite que as recomendações e ações propostas sejam operacionalizadas. Ações conjugadas desta natureza já se mostraram efetivas em controlar a emergência de bactérias resistentes e são consideradas práticas de excelência por empresas certificadoras de qualidade em serviços de saúde.11

A problemática da resistência antimicrobiana é complexa e multifatorial e envolve desde a conscientização da população no sentido de evitar o uso desnecessário de antimicrobianos em infecções comunitárias até a implementação de protocolos complexos de uso de antimicrobianos em hospitais. No meio do caminho, políticas de saneamento básico e controle de resíduos também são necessárias e são importantes para controlar a disseminação de bactérias resistentes na comunidade. Enfim, é necessário um esforço conjunto, envolvendo população, profissionais da saúde, gestores públicos e hospitalares, a fim de dar uma resposta efetiva para este novo desafio de saúde pública que desponta para os próximos anos.12

 

Referências:
1. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial-resistance. Acesso em 18/03/2021.
2. https://www.who.int/news/item/29-04-2019-new-report-calls-for-urgent-action-to-avert-antimicrobial-resistance-crisishttps. Acesso em 24/03/2021.
3. https://www.cdc.gov/drugresistance/index.html. Acesso em 18/03/2021.
4. AMR SURVEILLANCE IN BRAZIL: THE INFORMATION SYSTEM AND DATA MANAGEMENT. Health Services Surveillance and Monitoring Management General Management of Technology in Health Services Brazilian Health Regulatory Agency GVIMS/GGTES/ANVISA. file:///D:/Users/HCRP/Downloads/2017-cha-relavra-mapa-6-e.pdf. Acesso em 24/03/2021.
5. http://www.fao.org/antimicrobial-resistance/key-sectors/animal-production/en/. Acesso em 23/03/2021.
6. https://www-nature.ez67.periodicos.capes.gov.br/articles/s41564-019-0503-9.pdf. Acesso em 23/03/2021.
7. https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/dezembro/20/af-pan-br-17dez18-20×28-csa.pdf. Acesso em 23/03/2021.
8. Fridkin S, Baggs J, Fagan R, et al. Vital signs: improving antibiotic use among hospitalized patients. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2014; 63:194–200.
9. Bassetti M et al. https://doi.org/10.3389/fmed.2019.00074. Acesso em 23/03/2021.
10. Pelfrene et al. Antimicrob Resist Infect Control (2021) 10:21 https://doi.org/10.1186/s13756-021-00893-z.
11. Barlam T.F et al. Implementing an Antibiotic Stewardship Program: Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the Society for Healthcare Epidemiology of AmericaClinical Infectious Diseases, 2016;62(10):e51–e77.
12. Nathan, C. Resisting antimicrobial resistance. Nat Rev Microbiol 18, 259–260 (2020). https://doi-org.ez67.periodicos.capes.gov.br/10.1038/s41579-020-0348-5.


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